1. Para que servem os Formulários de Coleta de Dados
Os formulários de coleta de dados são instrumentos essenciais para registrar, de forma padronizada, as informações fornecidas pelos participantes ou observadas pelo pesquisador. Eles reduzem variações entre entrevistadores, organizam o fluxo das perguntas e fortalecem a consistência metodológica da pesquisa. Um bom formulário melhora a comparabilidade entre participantes, facilita a análise estatística e reduz erros de registro.
A importância desses instrumentos vai além da técnica. Um formulário mal planejado pode expor participantes, gerar constrangimento, induzir respostas ou violar privacidade. Cada pergunta representa uma interação concreta entre pesquisa e ser humano. Por isso, a construção do instrumento é um ato de responsabilidade ética, ligado diretamente à proteção da dignidade, da integridade e dos direitos dos participantes, e não apenas uma exigência burocrática do sistema CEP, Conep.
2. Princípios éticos que orientam a elaboração do instrumento
A elaboração de um formulário deve ser guiada por princípios éticos que materializam, na prática, os fundamentos da bioética e das resoluções brasileiras de ética em pesquisa.
2.1. Autonomia
O participante deve sentir que está no controle de sua participação, podendo responder, pular perguntas ou interromper a coleta a qualquer momento. A inclusão de opções de recusa e a linguagem clara que reforça a voluntariedade traduzem esse princípio. A autonomia não é apenas uma ideia abstrata, mas se concretiza em elementos do instrumento, como alternativas de não resposta e lembretes explícitos de liberdade.
2.2. Proteção
Perguntas podem gerar riscos emocionais, sociais e de privacidade, especialmente quando abordam temas sensíveis, como saúde, renda, violência ou discriminação. Minimizar esses riscos é essencial para preservar o bem estar do participante e evitar danos que podem surgir mesmo em pesquisas classificadas como de risco mínimo. A forma, a ordem e a profundidade das perguntas são escolhas que influenciam diretamente esse nível de proteção.
2.3. Proporcionalidade e minimização da carga
Um formulário enxuto, bem organizado e adequado ao perfil do público reduz fadiga, melhora a qualidade das respostas e demonstra respeito ao tempo e à energia dos participantes. A quantidade e o tipo de perguntas precisam ser proporcionais aos objetivos do estudo. Coletar mais dados do que o necessário aumenta riscos, gera sobrecarga e pode violar princípios éticos e a própria legislação de proteção de dados.
3. Requisitos obrigatórios para qualquer Formulário de Coleta de Dados
Alguns requisitos são indispensáveis para que um formulário seja eticamente aceitável e alinhado às normas brasileiras. Eles não existem apenas para atender resoluções, mas para proteger efetivamente a autonomia, o sigilo e a privacidade dos participantes.
3.1. Evitar a coleta de dados identificáveis sem necessidade
Nome, endereço, CPF, RG, telefone, e mail ou qualquer dado que permita reconhecer diretamente a pessoa não devem ser incluídos, salvo quando forem estritamente necessários para o objetivo da pesquisa e estiverem detalhadamente justificados no protocolo. A ausência desses dados reduz o risco de exposição, simplifica medidas de segurança e diminui o impacto de possíveis vazamentos.
3.2. Incluir a opção “Não desejo responder” em todas as perguntas fechadas
Em perguntas fechadas, a presença da alternativa “Não desejo responder” é a forma mais concreta de garantir liberdade real de recusa. Sem essa opção, o participante pode sentir que é obrigado a responder ou que sua recusa será mal vista. Essa pequena escolha de design do instrumento está diretamente ligada à proteção da autonomia e à redução da coerção implícita.
3.3. Inserir a frase obrigatória em perguntas abertas
Nas perguntas abertas, deve constar, no cabeçalho, a frase:
Sua participação é voluntária. Você pode deixar de responder qualquer pergunta ou interromper a entrevista a qualquer momento, sem qualquer prejuízo.
Perguntas abertas exigem maior elaboração, podem despertar lembranças sensíveis e aumentar o risco de exposição. O lembrete explícito da liberdade de recusa reduz ansiedade, protege o participante e reforça que ele não é obrigado a revelar algo que o deixe desconfortável.
3.4. Evitar excesso de perguntas
Instrumentos excessivamente longos causam fadiga, aumentam a chance de respostas superficiais ou apressadas e podem levar à desistência. Perguntas supérfluas não agregam valor científico relevante e apenas ampliam o risco ético e operacional. A seleção cuidadosa do que é realmente necessário é uma forma de respeito ao participante.
3.5. Evitar linguagem técnica, jurídica ou pouco acessível
Expressões técnicas ou jurídicas pouco familiares ao público alvo podem gerar incompreensão, constrangimento ou respostas equivocadas. A linguagem do formulário deve ser clara, direta e compatível com o nível de escolaridade e o contexto sociocultural dos participantes. Explicar termos quando indispensáveis é tão importante quanto simplificar sempre que possível.
3.6. Evitar perguntas indutoras ou enviesadas
Perguntas formuladas de maneira a sugerir uma resposta, ou que transmitam julgamento de valor, prejudicam tanto a ética quanto a qualidade científica. Elas pressionam os participantes a responderem o que imaginam ser desejado pela equipe de pesquisa. A neutralidade das questões é uma forma de respeito à liberdade de opinião e, ao mesmo tempo, um requisito metodológico para produzir dados confiáveis.
4. Como estruturar um Formulário de Coleta de Dados
Uma boa estrutura reduz ansiedade, melhora a compreensão e organiza o raciocínio do participante. A seguir, uma proposta de organização em blocos.
4.1. Cabeçalho de abertura
O cabeçalho inicial é o momento de estabelecer confiança. Nele, o pesquisador reforça que a pesquisa foi aprovada por um Comitê de Ética, que a participação é voluntária e que não haverá qualquer prejuízo pela recusa ou pela interrupção da entrevista. Esse trecho ajuda a reduzir tensão, esclarece o contexto e reafirma a centralidade da autonomia antes da primeira pergunta ser feita.
4.2. Critérios de elegibilidade
Em seguida, é recomendado incluir perguntas simples que confirmem se a pessoa atende aos critérios de inclusão da pesquisa, como idade mínima, leitura e concordância com o Termo de Consentimento ou presença de determinada condição clínica, quando aplicável. Essas questões devem ser objetivas, com respostas claras e, sempre, com a opção “Não desejo responder”, mesmo nos casos em que a elegibilidade dependa da resposta.
4.3. Caracterização do participante
A caracterização deve ser feita com categorias amplas, suficientes para fins de análise estatística, mas sem expor dados pessoais desnecessários. Em vez de perguntar a idade exata, pode se usar faixas etárias. Em vez da profissão específica, grupos ocupacionais. O objetivo é equilibrar a necessidade de informação com a proteção da privacidade, reduzindo o risco de identificação individual ou de grupos pequenos.
4.4. Bloco temático principal
O bloco temático principal reúne as perguntas diretamente ligadas aos objetivos da pesquisa. Aqui, a clareza e a coerência são fundamentais. As questões devem ser formuladas em linguagem acessível, evitando ambiguidade e duplicidade. A sequência das perguntas deve favorecer uma progressão lógica, começando por temas mais gerais e avançando, quando necessário, para pontos mais específicos, sempre com respeito ao conforto do participante.
4.5. Pergunta aberta opcional
Perguntas abertas podem ser úteis para captar percepções, experiências pessoais e comentários livres. Contudo, devem ser usadas com parcimônia. Antes desse tipo de questão, é essencial incluir o lembrete de que a resposta é opcional e que o participante pode deixar o campo em branco se preferir. Isso é especialmente importante quando o tema é sensível ou potencialmente desencadeador de sofrimento.
5. Erros frequentes que geram pendências no CEP
As pendências emitidas pelos Comitês de Ética em Pesquisa refletem problemas práticos que podem ser evitados na etapa de elaboração do formulário. Os erros a seguir são recorrentes.
- Coleta de dados pessoais identificáveis sem justificativa clara ou proporcional ao objetivo do estudo.
- Ausência da opção “Não desejo responder” em perguntas fechadas, o que fragiliza a garantia de autonomia.
- Inclusão de perguntas sensíveis sem aviso prévio ou sem medidas adequadas de acolhimento e proteção.
- Formulários excessivamente longos e complexos, que não correspondem à relevância do problema estudado.
- Linguagem técnica, burocrática ou inadequada ao perfil sociocultural do público alvo.
- Questões que expõem crenças religiosas, posicionamentos políticos, condição de saúde ou renda sem necessidade metodológica bem justificada.
Identificar e corrigir esses problemas antes da submissão reduz o tempo de tramitação, diminui retrabalho e, principalmente, qualifica a experiência do participante diante da pesquisa.
6. Como analisar o instrumento antes de enviar ao CEP
Um checklist estruturado ajuda o pesquisador a revisar o formulário com olhar crítico, aproximando sua prática das exigências éticas e regulatórias.
- O formulário solicita algum dado identificável sem que isso seja necessário para os objetivos do estudo.
- Todas as perguntas fechadas incluem a alternativa “Não desejo responder”.
- As perguntas abertas trazem a frase padronizada que reforça a voluntariedade e a possibilidade de interromper a entrevista.
- A linguagem é compatível com o nível de compreensão do público alvo, incluindo pessoas com menor escolaridade formal.
- A quantidade de perguntas é proporcional ao problema investigado, sem excesso de itens supérfluos.
- Existe coerência entre as perguntas, os riscos descritos, os benefícios esperados e os procedimentos previstos no protocolo.
Esse tipo de análise contribui para que o instrumento seja, ao mesmo tempo, cientificamente robusto e eticamente cuidadoso, reduzindo a distância entre teoria e prática em ética em pesquisa.
7. Perguntas que exigem aviso de sensibilidade
Certos temas podem acionar memórias dolorosas, provocar sofrimento emocional ou constrangimento. Isso é particularmente verdadeiro para questões sobre violência, abuso, discriminação, luto, doenças graves, saúde mental, sexualidade ou experiências traumáticas. Nesses casos, o formulário deve incluir um aviso claro antes do bloco sensível, informando que as perguntas podem ser desconfortáveis e reforçando a liberdade de não responder.
Esse aviso não existe apenas para cumprir resolução, mas para reconhecer que o participante é uma pessoa com história e vulnerabilidades. Ao explicitar a possibilidade de recusa e a disponibilidade de apoio quando previsto no protocolo, o pesquisador transforma o instrumento em uma ferramenta de cuidado, e não apenas de coleta de informação.
8. Proteção de dados e LGPD
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais introduz princípios como finalidade, adequação, necessidade e minimização, que devem orientar a construção dos formulários. Quanto menos dados pessoais forem coletados, menor será a superfície de risco para o participante e menores serão as exigências de proteção técnica e administrativa.
O instrumento deve evitar registrar informações desnecessárias e orientar o pesquisador a não anotar comentários espontâneos que possam identificar diretamente uma pessoa, como nomes, números de documentos ou detalhes muito específicos de cargos e locais. Ao favorecer a anonimização já na coleta, o formulário facilita a conformidade com a LGPD e protege tanto os participantes quanto as instituições envolvidas.
9. Responsabilidades do pesquisador durante a aplicação
Mesmo o melhor formulário pode falhar se a aplicação for inadequada. O pesquisador é responsável por garantir condições de privacidade, por evitar qualquer forma de pressão e por acolher dúvidas e hesitações com respeito. É fundamental que as respostas sejam registradas de forma fiel, sem interpretações pessoais, comentários paralelos ou julgamentos.
Cabe também ao pesquisador reconhecer sinais de sofrimento, desconforto intenso ou insegurança. Nesses casos, interromper a entrevista e oferecer encaminhamento, quando previsto, é mais importante do que completar o instrumento. A maneira como o formulário é administrado faz parte da proteção ética tanto quanto a sua redação. Aplicar o instrumento com sensibilidade, atenção e respeito transforma o processo de coleta em um encontro mais humano e responsável.
10. Formulário de coleta de dados online
Quando a coleta de dados é realizada em ambiente virtual, por exemplo em plataformas como Google Formulários, a estrutura do caminho do participante precisa ser planejada com o mesmo cuidado ético do formulário em papel. Nesse contexto, o formulário online deve ser apresentado sempre em conjunto com o convite para participar da pesquisa e com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em uma sequência clara e previsível.
A forma recomendada é que o participante receba primeiro o convite, em linguagem simples, informando o tema da pesquisa, o caráter voluntário, o tempo estimado de resposta e o fato de que a participação será anônima ou sigilosa. Em seguida, deve lhe ser apresentado o TCLE completo, para leitura e aceite. Apenas após o aceite explícito do Termo o sistema deve liberar o acesso ao formulário de coleta de dados.
Uma boa prática é utilizar uma página inicial específica no formulário online, contendo o convite resumido, a informação de que o TCLE será apresentado na sequência e, quando desejado, links para consulta prévia ao texto integral do TCLE e ao modelo do instrumento. A primeira pergunta dessa página pode ser uma questão simples, como “Aceito o convite para participar da pesquisa”, com as opções “Sim” e “Não”. Ao selecionar “Não”, o participante encerra o processo sem qualquer prejuízo. Ao selecionar “Sim”, avança para o TCLE e, depois, para o formulário.
Essa estrutura reforça a autonomia em ambiente digital, evita que o participante seja conduzido diretamente às perguntas sem ter lido o TCLE e organiza o fluxo de forma intuitiva. O exemplo didático disponível em https://bit.ly/7cep ilustra essa lógica, combinando convite, TCLE e formulário em camadas sucessivas, com linguagem clara e foco na proteção do participante.
Nos formulários online, é importante ainda evitar a coleta automática de e mails, nomes de usuário ou qualquer identificador digital desnecessário. Sempre que possível, deve se desabilitar a exigência de login obrigatório e orientar o participante a não incluir informações pessoais nas respostas abertas. Assim, os mesmos princípios de anonimato, minimização de dados e respeito à privacidade são preservados no ambiente virtual.
11. GPT Personalizado
Para apoiar pesquisadores na verificação ética e técnica de seus instrumentos de coleta de dados, foi desenvolvido um GPT personalizado com base nas normas da CONEP e nas boas práticas nacionais de ética em pesquisa. Esse recurso analisa o formulário enviado, identifica possíveis riscos, aponta pendências frequentes e sugere ajustes que podem reduzir problemas na submissão ao Comitê de Ética.
O GPT personalizado é útil tanto para pesquisadores iniciantes, que ainda estão se familiarizando com o sistema CEP, Conep, quanto para pesquisadores experientes que desejam um checklist inteligente de revisão. Ele funciona como um apoio adicional para qualificar o instrumento, mas não substitui a responsabilidade ética do pesquisador nem a avaliação oficial do Comitê de Ética em Pesquisa. O acesso está disponível em:
Recomenda se sempre evitar o envio de dados pessoais ou identificáveis de participantes ao utilizar essa ferramenta, mantendo a descrição dos instrumentos em formato anonimizado.
12. Considerações finais
A construção de um formulário de coleta de dados é uma etapa central do processo de pesquisa em seres humanos, porque representa o ponto de contato mais visível entre o projeto e a vida concreta dos participantes. Um instrumento bem elaborado não é apenas tecnicamente eficiente, mas expressa respeito, responsabilidade e compromisso ético. Cada decisão de perguntar ou não perguntar, de detalhar ou simplificar, de tornar obrigatória ou opcional uma resposta, comunica ao participante como ele é visto pelo pesquisador.
Seguir as recomendações apresentadas fortalece a autonomia do participante, minimiza riscos, reduz desconfortos e garante que cada pergunta seja justificada, clara e necessária. Ao mesmo tempo, um formulário bem estruturado produz dados mais confiáveis, reduz vieses e aumenta a robustez científica do estudo. Em um cenário em que a sociedade exige transparência, proteção de dados e respeito às diferenças, formular instrumentos seguros não é apenas cumprir normas, mas um gesto consciente de cuidado.
Ao respeitar esses princípios, o pesquisador contribui para uma ciência mais humana e socialmente legítima. A qualidade do instrumento reflete a qualidade da relação entre pesquisa e sociedade, e ajuda a construir um ambiente em que os participantes se sintam protegidos, valorizados e dispostos a colaborar com a produção de conhecimento que realmente importa.